UNESP 2012 – Questão 15

Linguagens / Literatura / Modernismo Brasileiro: 2a Fase / Vinícius de Moraes
Elegia na morte de Clodoaldo Pereira da
Silva Moraes, poeta e cidadão

A morte chegou pelo interurbano em longas espirais
[metálicas.
Era de madrugada. Ouvi a voz de minha mãe, viúva.
De repente não tinha pai.
No escuro de minha casa em Los Angeles procurei
[recompor tua lembrança
Depois de tanta ausência. Fragmentos da infância
Boiaram do mar de minhas lágrimas. Vi-me eu menino
Correndo ao teu encontro. Na ilha noturna
Tinham-se apenas acendido os lampiões a gás, e a
[clarineta
De Augusto geralmente procrastinava a tarde.
Era belo esperar-te, cidadão. O bondinho
Rangia nos trilhos a muitas praias de distância...
Dizíamos: “Ê-vem meu pai!”. Quando a curva
Se acendia de luzes semoventes*, ah, corríamos
Corríamos ao teu encontro. A grande coisa era chegar
[antes
Mas ser marraio** em teus braços, sentir por último
Os doces espinhos da tua barba.
Trazias de então uma expressão indizível de fidelidade
[e paciência
Teu rosto tinha os sulcos fundamentais da doçura
De quem se deixou ser. Teus ombros possantes
Se curvavam como ao peso da enorme poesia
Que não realizaste. O barbante cortava teus dedos
Pesados de mil embrulhos: carne, pão, utensílios
Para o cotidiano (e frequentemente o binóculo
Que vivias comprando e com que te deixavas horas
[inteiras
Mirando o mar). Dize-me, meu pai
Que viste tantos anos através do teu óculo de alcance
Que nunca revelaste a ninguém?
Vencias o percurso entre a amendoeira e a casa como
           [o atleta exausto no último lance da maratona.
Te grimpávamos. Eras penca de filho. Jamais
Uma palavra dura, um rosnar paterno. Entravas a
[casa humilde
A um gesto do mar. A noite se fechava
Sobre o grupo familial como uma grande porta espessa.
Muitas vezes te vi desejar. Desejavas. Deixavas-te
[olhando o mar
Com mirada de argonauta. Teus pequenos olhos feios
Buscavam ilhas, outras ilhas... — as imaculadas,
                                                              [inacessíveis
Ilhas do Tesouro. Querias. Querias um dia aportar
E trazer — depositar aos pés da amada as joias
[fulgurantes
Do teu amor. Sim, foste descobridor, e entre eles
Dos mais provectos***. Muitas vezes te vi, comandante
Comandar, batido de ventos, perdido na fosforência
De vastos e noturnos oceanos
Sem jamais.
Deste-nos pobreza e amor. A mim me deste
A suprema pobreza: o dom da poesia, e a capacidade
[de amar
Em silêncio. Foste um pobre. Mendigavas nosso amor
Em silêncio. Foste um no lado esquerdo. Mas
Teu amor inventou. Financiaste uma lancha
Movida a água: foi reta para o fundo. Partiste um dia
Para um brasil além, garimpeiro sem medo e sem
[mácula.
Doze luas voltaste. Tua primogênita — diz-se —
Não te reconheceu. Trazias grandes barbas e pequenas
[águas-marinhas.
(Vinicius de Moraes. Antologia poética. 11 edRio de Janeiro: José Olympio Editora, 1974, p. 180-181.)

 
(*) Semovente: “Que ou o que anda ou se move por si próprio.”
(**) Marraio: “No gude e noutros jogos, palavra que dá, a quem primeiro a grita, o direito de ser o último a jogar.”
(***) Provecto: “Que conhece muito um assunto ou uma ciência, experiente, versado, mestre.”
(Dicionário Eletrônico Houaiss)


 
Partiste um dia / Para um brasil além, garimpeiro sem medo e sem mácula.
O emprego da palavra brasil com inicial minúscula, no poema de Vinicius, tem a seguinte justificativa:
a) O eu-poemático se serve da inicial minúscula para menosprezar o país.
b) Empregar um nome próprio com inicial minúscula era comum entre os modernistas.
c) O eu-poemático emprega “brasil” como metáfora de “paraíso”, onde crê estar a alma de seu pai.
d) O emprego da inicial maiúscula em nomes de países é facultativo.
e) Na acepção em que é empregada no texto, a palavra “brasil” é um substantivo comum.
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